quarta-feira, 31 de março de 2010

Entrevista com a historiadora Marilene Assis Tuler Ramalho, autora do livro: O Massacre de Ipatinga - Mitos e Verdades.


Grupo: Como tudo começou?
Marilene: Ipatinga praticamente não existia, era uma vila constituída de fazendas, em virtude da estrada de ferro e a proximidade do Pico do Cauê, que produz minério de ferro, decidiram pela construção da Usiminas. Foram compradas terras e feitas divisões. Projetaram a Usiminas no centro da cidade, a gente chama isso na sociologia de complexo socioeprofissional. A cidade é projetada para separar as pessoas de acordo com a profissão. Nos anos 80 tinha uma diferença visível, “o lado de cá” ainda não tinha nada, não possuía nenhuma infra-estrutura urbana, pois não havia rede de esgoto nem asfalto. A Usiminas cuidava dos “bairros do lado de lá” (Cariru, Castelo e Horto), então o acordo era que, ao invés da empresa pagar impostos para a prefeitura era ela quem cuidava de seus bairros. Tratamento de água “do lado de lá” tinha, mas “do lado de cá” era precário.

Grupo: O que determinou a ideia de implantar um sistema ferroviário em Ipatinga?
Marilene: A ferrovia passou aqui porque descobriram minério de ferro no pico do Cauê. A princípio não passaria por aqui, ela seguiria o Rio Doce, quando chegasse ao Naque, subiria o Rio Santo Antônio rumo a Diamantina. Isso é mostrado no filme “O trem do Vale”. Assim que descobriram o minério, resolveram desviar o curso da ferrovia. Isso tudo tem a ver com interesses ingleses, pois era época de imperialismo inglês e a Inglaterra precisava de minério de ferro.Com o desvio, o Vale do Aço passa a existir em função da ferrovia, daí a importância dela na nossa história.

Grupo: Quais as diferenças entre os lados da linha do trem?
Marilene: A cidade é dividida mesmo pela linha do trem, e havia realmente uma separação da cidade, por isso usamos a expressão “do lado de lá” e “do lado de cá”. O bairro Iguaçu por exemplo, no início da década de 60, era uma fazenda e só haviam 14 casas, assim como o bairro Bethânia que era chamado de Fazenda Bethânia que logo em seguida foi loteado. As transformações que aconteceram em Ipatinga foram nos 16 anos da administração do PT, quando Chico Ferramenta se reelegeu ele inverteu a situação. Ao invés de cuidar dos bairros de lá, passaram a cuidar dos bairros de cá. E hoje não percebemos tanto essa diferença. Com o terceiro mandato petista, João Magno construiu o novo centro que antes era a Rua do Buraco. Uma coisa muito interessante que poucas pessoas sabem é que o Parque Ipanema e o Ipatingão foram construídos para unir os dois “lados”, sendo um espaço de socialização. O “lado de lá”(mais ricos) passaram a vir para o “lado de cá”(mais pobres).

Grupo: Em sua opinião, os bairros em Ipatinga foram construídos de maneira hierárquica?Marilene: Ipatinga é uma das poucas cidades em Minas Gerais que foi projetada, por um arquiteto chamado Rafael Hardy. Ipatinga tem a Usina no meio da cidade, “o lado de cá” que são os bairros espontâneos, de loteamento privado e “o lado de lá” construído de acordo com as profissões. O Castelo onde moraria a chefia da Usiminas, O Cariru onde moraria os engenheiros, no Horto morariam os técnicos, o Santa Mônica onde era o alojamento de solteiros, o Amaro Lanari que na época se chamava candangolândia e o Bom Retiro era o bairro dos operários. Até hoje ainda há reflexo dessa hierarquia, a usina separou a cidade em duas. “O lado de cá e o lado de lá da linha.”

Grupo: Houve dificuldades na construção da cidade?
Marilene: Muitas. Quando a Usiminas chegou, Ipatinga era uma vila, tinha a estação ferroviária e em torno de 40 casas ao redor da estação e a partir daí vieram 15000 homens para construir a empresa, gerando vários problemas de infra-estrutura, como a falta casas e alojamentos, no centro havia um lugar que se chamava Rua do Buraco, constituído por vários barracos. Faltava tanta coisa em Ipatinga, que as pensões alugavam camas em revezamento de turnos, quem trabalhava a noite, dormia durante o dia e era alugada uma cama para duas pessoas. A Usiminas tinha um restaurante que fazia 5000 refeições, mas não era o suficiente pela quantidade de gente que trabalhava na área.

Grupo: Qual foi o primeiro prefeito de Ipatinga?
Marilene: Délio Baeta. Ele não foi eleito, na época a cidade emancipou e ele foi indicado. O primeiro prefeito eleito foi Fernando Coura.

Grupo: Como a implantação da Usiminas alterou a vida dos moradores da região?
Marilene: A Usiminas é responsável pela construção de Ipatinga, porque antes era apenas um distrito pertencente a Coronel Fabriciano, portanto todo o crescimento da cidade é devido a empresa. É evidente que tem problemas mas se não fosse a Usiminas, Ipatinga seria uma cidade menor, rural, como outras da região.

Grupo: Você acha que esses trabalhadores que antes eram lavradores tiveram oportunidade de crescer junto com a empresa?
Marilene: Quando estava fazendo a pesquisa sobre o Massacre, a gente discutia muito isso, pois escrevo “A formação da classe operária de Ipatinga”, pois acredito que as pessoas que vieram aqui na sua maioria eram lavradores. A classe operária se forma em Ipatinga, não há pesquisas sérias que comprovem isso, mas pelo depoimento das pessoas, os primeiros trabalhadores vieram do campo e quando começou a construção da Usiminas eles vieram para Ipatinga. Muitos começaram na obra, com trabalho braçal e com o tempo eles foram fichados pela empresa. Um fato curioso é que eles espalhavam propagandas chamando trabalhadores para virem. Por exemplo, no trem que vai pra Vitória eles colavam cartazes anunciando vagas para emprego, mandavam cartazes para o Mato Grosso, Goiás, pois faltavam trabalhadores, já que a construção da Usiminas coincide com a construção de Brasília, então era momento de grande obras.Os japoneses imigrantes que vieram faziam parte dos cargos especializados, engenheiros, administradores, mas a mão de obra era daqui da região.

Grupo: Quando a empresa começou a substituir a mão de obra braçal por máquinas?
Marilene: A Usiminas começou a ser construída em 1959, então era preciso mão de obra braçal e máquinas pesadas(tratores, caminhões). Em 62 ela entrou em operação. A primeira crise de desemprego que ocorre aqui foi em 72 com clima de fim de obra. A empresa aproveitou parte da mão de obra, mas grande parte foi demitida. Na época da privatização também houveram sérios problemas de desemprego, pois antes da Usiminas ser privatizada, ela passou por um processo chamado “reengenharia”, ela tinha 12000 funcionários e passou a ter 7000. Hoje ela tem uma produtividade muito maior e o número de empregados e praticamente a metade do que já foi e isso graças à tecnologia.

Grupo: Você pode falar um pouco sobre o seu livro pra gente?
Marilene: O meu livro é sobre o Massacre de Ipatinga, um episódio ocorrido em 7 de outubro de 1963, que foi silenciado na cidade. Como professora de História eu sempre tive a curiosidade, o interesse de compreender o assunto e relacioná-lo ao que estava acontecendo no Brasil, que era a época pré-golpe de 64. Foi um conflito ocorrido entre operários da Usina e policias militares, que teve vários motivos, principalmente, os baixos salários, a jornada de trabalho cansativa e maus tratos em geral. Foi muito difícil encontrar material sobre o assunto aqui em Ipatinga, porque o caso foi silenciado, era proibido falar sobre isso. Só em Belo Horizonte eu encontrei jornais da época que reportaram o tema, como o Globo, o Jornal do Brasil. O local do tiroteio foi onde é hoje o Shopping do Vale e os policias foram atirando de lá até um dos lados da ferrovia. O Shopping, inclusive, foi construído lá como uma forma de fazer as pessoas esquecerem as más recordações do lugar.

24 comentários:

Senppuu disse...

Ah, conhecer um pouco sobre a história de nossa cidade é fundamental para compreendermos nosso tempo.
Sinto-me gratificado ao ver este tipo de conteúdo em um canal de informação.

E recomendo o livro, O Massacre de Ipatinga, para aqueles que ainda não tiveram oportunidade de lê-lo

Lorena disse...

Interessante essa entrevista com a historiadora Marilene,porque ela nos conta como foi o inicio do desenvolvimento de Ipatinga.
Conhecer a historia de nossa cidade é de suma importância para assim entendermos como tudo começou.

Monyck disse...

Primeiramente queria agradecer a Marilene pela informação, a entrevista nos faz entender um pouco da importância que a Usiminas sempre teve na cidade e como os reflexos da época de anos atrás repercutem até nos dias de hoje.

Igor Santos disse...

A entrevista com a professora Marilene, nos proporcionou conhecimentos sobre a história de Ipatinga, que até então eram desconhecidos! Após ler a todo o trabalho, fiquei até curioso para ler o livro e descobrir como tudo ocorreu!

Diego disse...

Conhecer o passado de sua Cidade não deve ser mais do que uma obrigação de casa cidadão.E essa entrevista nos proporciona sabermos ainda mais sobre a história de Ipatinga,muitas delas desconhecidas por grande parte da população.

Gabriela Moraes disse...

Bem interessante o trabalho dela nunca soube que existia um livro com história da nossa cidade, Marilene esta de parabéns é um ato de muita consideração pela cidade, deve ter muito conhecimento que bastante pessoas não sabem só lendo a entrevista fui surpriendida, dá uma curiosidade para ler mesmo.

Milena disse...

Muito legal mesmo a história de Ipatinga. Marilene está de parabéns pelo trabalho feito, é uma pessoa muito inteligente!

Leonardo Zinato disse...

Muito interessante a entrevista. Informações que nós, os próprios moradores da cidade nunca tivemos acesso.
O Massacre, por exemplo, é algo que praticamente só os moradores mais antigos conheciam. Deu até vontade de ler o livro de Marilene.

Hugo disse...

É muito interessante saber que há um livro sobre a nossa cidade, parabéns Marilene pelo seu trabalho.

André Alves disse...

Marilene Assis está de Parabéns. Sua obra é muito boa, pois retrata todos os pontos da "linha do tempo" da cidade de ipatinga, com o livro muitas pessoas passam a conhecer melhor sobre a nossa cidade, sem mesmo morar nela.

André Alves disse...

Marilene Assis está de Parabéns. Sua obra é muito boa, pois retrata todos os pontos da linha do tempo da cidade de ipatinga, com o livro muitas pessoas passam a conhecer melhor sobre a nossa cidade, sem mesmo morar nela.

Karen disse...

Ipatinga também tem histórias interessantes! Parabéns à Marilene por torná-las tão acessíveis.

Marcela Grillo disse...

Foi muito bom poder fazer a entrevista com a historiadora Marilene, aprendemos muito sobre a história da construção de Ipatinga, além de curiosidades sobre o seu livro "O Massacre de Ipatinga".

Unknown disse...

Conheço pessoas que já leram esse livro, e disseram ser muito interante, como também foi essa entrevista, onde ela relata curiosidades sobre o livro de sua autoria, e detalha momentos históricos na construção de Ipatinga.
Guilherme Rocha, 301

Gustavo Carolino disse...

A decisão do Governo do Estado ao implantar a Usiminas nessa região (como dita: de fazendas) favoreceu e acelerou o processo de urbanização.
Por´em nada substitui o crescimento sustentavel. É, portanto, enriquecedor conhecer as historias do periodo em que a cidade em si não existia, permitindo nos agregar uma grande bagagem de conhecimento arespeito do local onde vivemos.

Larissa Campos disse...

O mais interessante no livro de Marilene,é ela esta abordando um assunto tão polêmico e que pouco é comentado pelos moradores mais antigos da cidade, o "Massacre de Ipatinga".Seria de extrema importancia a leitura desse por todos os moradores da cidade para conhecerem melhor a história do lugar onde vivem.

Lucas Silva disse...

O trabalho feito tem um valor muito grande, pois revela coisas que, pra maioria das pessoas (principalmente os mais jovens) era desconhecida. Parabéns à Marilene por dar a oportunidade de conhecermos mais sobre a história da nossa própria cidade.

Ana Luísa Carvalhais disse...

Faço parte desse grupo, mas mesmo assim vou comentar...
O trabalho foi muito bom, e foi muito interessanta aprender um pouco mais com a historiadora Marilene sobre a construção da nossa cidade e ela tinha muita coisa a nos contar, pois afinal ela escreveu um livro sobre o massacre e também já participou desse projeto.

Renan Ribeiro disse...

Essa entrevista é de grande valor por retratar assuntos como o massacre de Ipatinga, que muitos desconhecem e por serem expressados por uma pessoa muito culta e de grande experiência.

Dâmaris disse...

Essa entrevista é muito boa contribuindo para nosso aprendizado,aspectos abordados na que poucas pessoas conhecem sobre o massacre de ipatinga

Mabelly Andrade disse...

Várias pessoas ja me falaram sobre o livro, todos falam que é um trabalho excepcional. Parabéns a Marilene, assim que tiver oportunidade vou lê-lo

Matheus Rocha disse...

Que bom que alguém teve o trabalho de reportar a história de Ipatinga assim, é sempre bom saber mais sobre o lugar onde a gente mora.

Bernardo disse...

Muita gente que mora aqui na cidade há muito tempo ou até mesmo nasceu aqui desconhece desse acontecimento na década de 60. É interessante sabermos sobre esse fato, e não só disso mas como também de toda a história de nossa cidade, o que nos faz entender como que a cidade cresceu rápido e de forma eficiente. Bom saber que uma pessoa que nem é nascida em Ipatinga tem essa identidade com a cidade a ponto de escrever um livro sobre um acontecimento marcante na história de Ipatinga. Obrigado a Marilene que nos contou um pouco desses aconteceimentos.

Unknown disse...

Essa entrevista é fundamental para jovens estudantes e moradores que se localizam na cidade pois contém informações sobre o passado para seus moradores atuais.

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